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3 de nov. de 2013

UM DIA INSÓLITO – visita a dona Heloísa Ramos e enterro de Luís Gitaí, em meio à Greve dos Garis de Maceió| por Luiz Orleans




 Foto: Rubens Jambo, Heloisa Ramos, Geraldo de Majella e Luciano Aguiar na sede do PCB em Maceió, em 1986.  (créditos fotográficos: Cleide Maia).


S

ábado (precisamente 22 de março de 1986)! Oh! maravilhosa manhã de sol que apenas a nossa provinciana Maceió possui... Lembro-me que encontrei Geraldo de Majella na sede do PCB, um velho casarão da Moreira Lima, nosso espaço político e cultural, ele aguardava-me  para de lá seguirmos rumo ao Hotel Beiriz, atual sede da perícia oficial da polícia civil, situado na Rua do Sol, onde se hospedara dona Heloísa Ramos, viúva do mestre Graça, a qual faríamos visita para despedir-nos da querida velha militante que retornaria para o Rio de Janeiro.

Ao chegarmos lá, fomos recebidos por dona Heloísa Ramos na recepção do Hotel. Sempre sorridente e simpática, a velha senhora apresentava nas faces profundo contentamento com nossa visita. Na nossa conversa, expôs a alegria e disposição militante de contribuir com o ativismo comunista dos jovens alagoanos, reconstrutores do partidão, a organização política do seu coração ao qual a fizera viajar para Maceió e se fazer presente às comemorações do 64º. Aniversário do PCB - era março, como o seu coração, de um vermelho suave, para além do pôr-do-sol na Lagoa Mundaú.

Com tal vigor revolucionário e amor ao Brasil, dona Heloísa continuava a sanha do seu Graciliano, nosso querido escritor-maior das Alagoas. Alguns diziam, a boca miúda, nos bastidores da nossa vida partidária, ser comum e rotineiro ela reunir círculos de amigos para angariar recursos, com o objetivo de financiar a causa dos lutadores pelo socialismo nas terras dos Cahetés.

           A conversa não demorou muito, recordo, porquanto tínhamos como missão comparecer a um enterro. Depois de sair do Hotel, onde permanecera a doce Heloísa Ramos, eu e Majella seguimos para o Cemitério Nossa Senhora da Piedade, no bairro do Prado, onde acompanhamos o cortejo fúnebre de um camarada histórico do partidão, Sr. Luís Gitaí. Tratava-se de operário aposentado do Fernão Velho, bairro operário da velha Maceió – diz-se ter sido conhecedor autodidata do marxismo, mesmo em se tratando de pessoa não alfabetizada, contudo, atento auscultador dos clássicos do socialismo, memorizava-os em sua imensa galeria cerebral. Nesse dia houve uma greve geral dos Coveiros que atingiu os serviços do mais antigo Cemitério de Maceió. Os trabalhadores estavam paralisados e insensíveis a qualquer possibilidade de apelo alheio para enterrar os cadáveres de cidadão e cidadãs maceioenses; alheios a dor famílias chorosas a exigir o justo respeito aos mortos e reconhecimento do direito dos entes cultuarem suas sagradas tradições, como Antígonas modernas, e as autoridades da cidade em assegurar a sanidade do ar (sic).

Após entendimento conosco, que formamos embaixada para negociar a liberação do sepultamento do corpo do operário (os representantes do partido ao enterro do velho camarada, junto ao Comitê de Greve dos Garis), tendo sido exposto o  perfil do defunto, a resistência total chegou ao fim – pelo menos em relação ao clamor para o sepultamento do operário Gitaí. Os coveiros, solidários com o velho comunista e sua pranteante família, aceitaram interromper a greve “todos insepultos” e dar seguimento aos ritos do enterro do camarada Luís Gitaí.

Na volta para casa, pensando com meus botões, entendi: sepultam-se os homens, ficam os sonhos, pois sonhos não envelhecem.

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Um comentário:

MARCELINO BRITTO disse...

Eu estava lá.
Saudações Companheiro.
Marcelino (Delmiro)